Pela tradição católica, papas assumem uma nova
identidade quando chegam ao poder. Mais do que uma mera formalidade, o nome
abraçado também procura, não raras vezes, trazem a mensagem que o líder
católico pretende imprimir à sua época.
E
Bergoglio se tornou Francisco. O primeiro papa da história da Igreja com este
nome. Sem dúvida nenhuma, naquele instante, o argentino estava apresentando sua
proposta ao mundo, numa espécie de plano de governo, antecipando o que viria a
ser a tônica do seu pontificado.
Num contexto
histórico em que a tragédia climática e ambiental parece irreversível, papa
Francisco é uma voz lúcida acerca da necessidade de proteção ecológica, do
"cuidado com a casa comum", como ele tanto clama. E num momento de
crise da humanidade, ele insiste na importância do acolhimento e no fundamental
da caridade e da inclusão dos mais pobres.
"A relação de papa Francisco com
São Francisco de Assis é muito grande. São Francisco é a fonte de inspiração
para o atual papado, pelo modo de conduzir a Igreja hoje. Francisco recupera
uma Igreja mais próxima do evangelho, mais próxima de Jesus", avalia frei
Mario Tagliari, reitor do Santuário São Francisco, em São Paulo.
Papa Francisco ecoa, oito século depois, os princípios de
um dos santos mais famosos da história do cristianismo: São Francisco de Assis,
cuja data é celebrada pelos católicos no dia 4 de outubro — de acordo com a
tradição, ele morreu na noite do dia 3 para o dia 4 de outubro de 1226.
"A relação de papa Francisco com São
Francisco de Assis é muito grande. São Francisco é a fonte de inspiração para o
atual papado, pelo modo de conduzir a Igreja hoje. Francisco recupera uma
Igreja mais próxima do evangelho, mais próxima de Jesus", avalia frei
Mario Tagliari, reitor do Santuário São Francisco, em São Paulo.
"São
Francisco de Assis viveu em comunhão com a Igreja, mas provocou uma grande
mudança a partir da radicalidade de viver o Evangelho", pontua ele.
"Papa Francisco busca seu nome por causa de São Francisco de Assis."
Por causa disso, hoje alguns costumam comparar
que houve "o Francisco de Assis e agora há o Francisco de Roma", como
lembra o teólogo Luiz Carlos Susin, também frade franciscano, professor na
Pontifícia Universidade Católica no Rio Grande do Sul e na Escola Superior de
Teologia e Espiritualidade Franciscana.
"Tudo
até hoje mostra que de fato veio de Francisco de Assis a inspiração [para a
escolha do nome do atual papa]", comenta Susin.
O
teólogo admite que, "pessoalmente", desde o início achou "muito
desafiante e complicado" para um papa assumir tal identidade.
"Porque
Francisco de Assis, pelo seu modelo e sua sensibilidade, pela crise que
atravessou e pela desapropriação que viveu, aquela liberdade com que viveu em
relação às coisas e ao sistema do mundo, ele teve o que podemos chamar de
sensibilidade antissistêmica", contextualiza.
"Aquela
inocência em não se enquadrar em coisa nenhuma… E o papa governa uma
instituição imensa com mais de 1 bilhão de pessoas [católicas], com uma
complicação enorme em termos jurídicos, institucionais… Parece um paradoxo,
cria uma tensão muito grande."
"E esse papa tem vivido essa tensão grande
entre a pregação dele, bem franciscana, e o que ele tem de levar nas costas, um
tamanhão institucional que Francisco de Assis não teria condições de
carregar", compara.
Susin
recorda a homilia de inauguração do atual pontificado para destacar três pontos
de conexão entre os dois Franciscos separados por 800 anos: a busca por uma
Igreja mais simples, pobre e despojada; o diálogo ecumênico e o discurso pela
paz; e o cuidado com a criação, com o meio ambiente.
"Podemos
dizer que o papa tem desenvolvido seu programa baseado nesses três pilares
bastante franciscanos", argumenta. (...)
Por Edison Veiga - De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil - 3 outubro 2022 FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/geral Pintura do fim do século 13 ilustra São Francisco pregando aos pássaros — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO